Os dias ao lado dos avós eram repletos de ternura e aprendizado. A casa tinha um encanto especial. Sua avó, dona Luzia, fazia lindos bordados e, todas as tardes, preparava uma mesa delicadamente arrumada para o tradicional chá. A mesa transbordava de delícias: bolachas pintadas, bolo de reis e outras guloseimas irresistíveis. O chá, com um toque de cravo e canela, exalava um aroma que parecia vir de um mundo encantado.
Seu avô, Jonadab, era uma pessoa singular. Apaixonado por leitura, mantinha uma biblioteca em casa e adorava contar histórias. Todas as noites, sentado em sua cadeira favorita — que até levava seu nome gravado —, ele mergulhava Lorenzo em narrativas fascinantes.
Certa noite, Lorenzo perguntou:
— Vô, de onde vêm essas histórias? O senhor inventa tudo?
Jonadab sorriu, pensativo.
— Algumas, sim. Outras são segredos guardados, esperando o momento certo para serem revelados.
Lorenzo franziu a testa, intrigado, mas o avô apenas piscou para ele e mudou de assunto.
As manhãs na casa dos avós eram agitadas. Depois do café, Lorenzo ajudava a avó nos afazeres da casa. Ela lhe ensinava receitas que preparariam para o almoço. Um dia, fricassê; no outro, madalena; moranga com carne seca, feijão melhorado — como ela chamava o feijão com linguiça calabresa e outras carnes saborosas —, farofa com muito coentro... Cada prato era uma nova descoberta.
À tarde, o tempo era do avô. Depois da soneca pós-almoço, Jonadab sempre tinha uma engenhoca para mostrar. Eles já haviam confeccionado juntos uma coleção de jogos de tabuleiro ao longo das férias passadas: Mancala, Jogo da Onça, Jogo Real de Ur e muitos outros.
Mas naquela tarde, algo diferente aconteceu.
O avô acordou da soneca e chamou Lorenzo com um brilho misterioso no olhar.
— Venha comigo. Tenho algo especial para lhe mostrar.
Lorenzo o seguiu até a biblioteca. Jonadab abriu uma gaveta e retirou uma porção de sementes, colocando-as sobre a mesa.
Os olhos de Lorenzo brilharam de curiosidade.
— Sementes, vô? Para plantar?
— Sim... — Jonadab sorriu. — Mas não são sementes comuns.
Eram pequenos pacotinhos transparentes, cheios de sementes coloridas e brilhosas. Em cada pacote, uma etiqueta com palavras escritas à mão. Lorenzo pegou um deles e leu em voz alta:
— “Semente da transformação.”
Ele olhou para o avô, intrigado.
— O que acontece quando plantamos?
Jonadab sorriu de canto.
— Isso, meu neto, só podemos descobrir de um jeito...
Lorenzo sentiu o coração acelerar. Agora só tinha uma coisa em mente: plantar.
— Calma, Lorenzo! — disse o avô. — Você precisará ter muito cuidado com essas sementes, pois não pode desperdiçá-las.
Lorenzo saiu pensativo da biblioteca, segurando um dos pacotinhos.
“Sementes da transformação”, repetia em sua mente. “Será que posso transformar o mundo? Transformar as pessoas?”
A ideia parecia grandiosa, mas algo dentro dele o fez hesitar. “E se isso fosse errado? E se eu estivesse interferindo no livre-arbítrio de cada um?”
Ele parou no meio do caminho e pensou em voz alta:
— Não posso impor uma transformação... mas posso sugerir.
Um sorriso nasceu em seu rosto. Sim, ele poderia criar cenários fascinantes, que fariam as pessoas se transformarem por si mesmas, apenas observando o mundo ao seu redor.
Respirou fundo, sentindo a brisa suave da tarde.
— E o agricultor das sementes transformadoras... saiu a transformar! — disse, rindo. — Opa, quero dizer... saiu a plantar!
Próximo à casa dos avós, havia uma família que vivia em discussão. Ouvia-se de longe quando estavam em conflito. Trocavam xingamentos uns com os outros: pai com filho, filho com mãe, irmão com irmão. Parecia que não se amavam. Todos os dias havia um conflito novo.
Lorenzo pensou: o que uma semente poderia fazer ali, naquele ambiente? Ou ainda... talvez precisasse de muitas sementes ali. E dedicou-se àquela primeira plantação.
A família tinha um filho da idade de Lorenzo — então aquela seria a porta de entrada.
Lorenzo bateu palmas.
— Olá! Sou o Lorenzo, neto do senhor Jonadab e da dona Luzia. Vim passar as férias na casa dos meus avós. Posso brincar com seu filho, senhora?
A mulher que o atendera à porta viu um sorriso no rosto de Lorenzo e percebeu que ali existia bondade.
— Claro, pode sim. Vou chamá-lo. Robertinho! Venha aqui! O vizinho veio brincar com você!
Lorenzo cumprimentou o novo amiguinho, e os dois saíram correndo pelo quintal.
Havia alguns pneus velhos jogados por lá. Eles pegaram um e começaram a rodar, fazendo de conta que era o carro deles. Lorenzo estava ganhando a confiança do novo amigo.
Brincaram um pouco e então começou a execução do plano.
— Você já plantou alguma coisa na horta ou no canteiro? Já cultivou alguma planta? — perguntou Lorenzo.
O menino respondeu depressa, sem pensar:
— Nunca!
— Vamos fazer umas floreiras em sua casa? Eu gosto de flores e plantas.
Então os dois correram até a casa dos avós de Lorenzo, pegaram ferramentas e começaram o trabalho.
A mãe de Robertinho achou aquilo o máximo. As crianças estavam brincando em harmonia — era lindo de se ver. E, mais do que depressa, a mãe se propôs a ajudar, pois viu que seria um trabalho grande.
— O dia passou tão rápido! — disse a mãe de Robertinho a Lorenzo. — Vamos nos lavar, que vou preparar alguma coisa para comermos.
Lorenzo não pôde ficar, pois já era tarde e precisava ajudar a avó no jantar.
— Amanhã eu volto — disse Lorenzo. — Trarei as sementes para plantarmos.
A mulher, com um sorriso que há muito não se via, despediu-se do novo vizinho e amigo do filho. Entrou em casa abraçada com Robertinho, cantando e conversando sobre o canteiro e o que fizeram naquela tarde encantadora.
O pai de Robertinho chegou, viu que existiam mudanças: alguma coisa havia revirado a terra da frente da casa. Mal sabia ele que a reviravolta seria ainda maior.
Robertinho, ao ver o pai, correu ansioso para contar-lhe sobre o que fizeram à tarde — sobre Lorenzo, o canteiro, o futuro jardim.
Enquanto isso, a mãe preparava o jantar. Os outros irmãos chegaram e viram que algo diferente estava acontecendo: o pai conversando com Robertinho, a mãe arrumando a mesa cantarolando algo. Ficaram assustados — a terra na frente da casa toda remexida, a mãe e o Robertinho cheirosos, de banho tomado, e uma alegria no ar que ninguém sabia explicar.
— Venham todos! — chamou a mãe. — Está pronto!
O cheiro estava delicioso, a mesa bem arrumadinha. Todos se sentaram.
— Mãe, o que é aquilo lá na frente da casa? — perguntou o filho mais velho.
— Estamos fazendo um jardim — respondeu Robertinho. — O Lorenzo vai trazer as sementes para plantarmos amanhã.
— Quem é o Lorenzo? — perguntou o filho do meio.
— O neto da nossa vizinha, dona Luzia.
— Mas, mãe, nós nunca conversamos com eles! Como o Lorenzo veio parar aqui?
— Ele veio chamar o Robertinho para brincar. Os dois são praticamente da mesma idade.
— Hummm... entendi — respondeu o mais velho. — É aquele menino que sempre vem passar as férias com os avós, não é?
— Sim, ele mesmo.
Todos jantaram. A mãe começou a recolher a louça, e Robertinho foi ajudá-la — o que causou espanto nos irmãos. O exemplo, porém, já começava a dar frutos. O irmão mais velho percebeu a mudança e também se levantou para ajudar.
— Precisamos dormir e descansar — disse a mãe. — Amanhã temos que terminar o nosso jardim.
— Isso mesmo! — completou Robertinho. — Amanhã o trabalho será o dia todo!
Naquela noite, depois de muito tempo, a casa descansou em silêncio de paz.
Na manhã seguinte, bem cedinho, o cheirinho de café despertou todos. Robertinho já estava no quintal esperando o amigo Lorenzo com as sementes.
— Vô, quais sementes devo plantar hoje no jardim dos nossos vizinhos? — perguntou Lorenzo.
O avô sorriu com ternura.
— Filho, hoje você vai plantar várias sementes. E, no momento em que estiver plantando, diga ao seu amiguinho sobre a importância de regar todos os dias, pois elas precisam nascer, crescer e florescer. O cuidado com as plantas é muito parecido com o cuidado que temos uns com os outros. O amor é um sentimento que precisa ser zelado, alimentado.
— Uma vez meu pai me disse que o amor é como um fogo: se você põe combustível nele, ele fica forte, ardente; se não se preocupa, ele apaga. E depois, para reacender, é muito difícil — às vezes até impossível.
— Então explique isso para o seu novo amiguinho. As plantas, assim como as pessoas, precisam ser bem cuidadas, observadas, servidas, atendidas, protegidas, amadas...
Lorenzo saiu dali saltando de alegria. O avô havia preparado o semeador para muito mais do que um único jardim.
Chegando à casa dos novos amigos, lá estavam mãe e filho preparados para o grande dia: plantar as sementes no mais novo jardim da rua. O jardim estava mudando a história daquela casa, daquela família, daquela rua.
— Oi, Lorenzo! — saudou Robertinho, sorridente. — Estamos prontos!
Lorenzo, com os olhos brilhantes e um sorriso de lado, respondeu:
— Oiiii! Essa noite quase nem dormi, e vocês?
Todos riram.
Hora de começar.
Lorenzo tirou os pacotinhos do bolso. As sementes eram coloridas, apaixonantes, hipnotizantes.
Cada pacote tinha um nome, e isso chamou a atenção da mãe de Robertinho.
— Lorenzo, que flor é essa? No pacotinho está escrito “Mais sorrisos”.
Lorenzo respondeu, lembrando-se das palavras do avô:
— Essa planta, quando florescer, vai encantar as pessoas de tal maneira que todos que passarem por esta rua não conseguirão fazer cara feia.
As risadas ecoaram longe.
Robertinho, curioso, pegou outro pacote.
— Nesse aqui está escrito “Amizade”. O que é isso, Lô?
Lorenzo vivia um momento único. Sentia-se o professor da jardinagem do amor.
— Amizade é algo que precisamos cultivar em nossas vidas, Ricardinho. Um bom amigo é mais que um irmão. Ter amigos permite que nossas vidas sejam mais completas, nos faz reconhecer o quanto precisamos uns dos outros. Amizade é algo que deve florescer sempre.
Lorenzo também queria plantar e escolheu suas sementes.
— Vou plantar essas aqui!
— Deixa eu ver, Lorenzo? — pediu a mãe de Robertinho. — Uau! Está escrito “Sementes da família”. Nunca tinha visto isso antes. Já estou curiosa para ver as flores que vão nascer. Onde seu avô conseguiu isso, menino?
— As “sementes da família”, meu avô disse que são plantadas o ano todo, a vida toda. Essas sementes são a grande esperança de que estamos cumprindo o maior projeto de Deus, que é a família. Mas não devemos apenas plantar — e sim ensinar as pessoas a cuidar, para que floresçam. Assim como um pai que tem filhos, e os filhos têm filhos, que são os netos, e assim por diante.
— Essas sementes são tão poderosas que, uma vez plantadas, dão flores cujas pétalas caem na terra e permitem nascer novas flores. Não é legal? Meu avô até falou que essas flores são como uma grande bênção que se derrama na vida de uma pessoa. Elas ultrapassam gerações e atingem os filhos dos nossos filhos...
Aquele dia ficaria marcado na história daquelas pessoas.
— Lorenzo, já é meio-dia! Meu Deus, o papai e seus irmãos já vão chegar! — disse a mãe de Robertinho. — Me envolvi tanto que nem lembrei de preparar o almoço!
Para surpresa de todos, tudo já havia sido preparado. A vó Luzia e o vô Jonadab estavam com tudo pronto. Fizeram um banquete para a família do amiguinho de Lorenzo.
Quando o pai de Robertinho chegou, foi a maior surpresa. Todos já estavam esperando para, juntos, irem à casa ao lado almoçar.
Uma mesa comprida estava posta, com pratos, copos, guardanapos de pano, talheres — tudo muito bem organizado pelo vô Jonadab, que adorava arrumar a mesa nos mínimos detalhes. A vó Luzia fizera tudo com o maior carinho — até farofa com coentro tinha!
Todos estavam maravilhados com o que a amizade podia gerar. A mãe de Robertinho sorria sem parar; ela não vivia uma harmonia assim há muito tempo. O pai não tinha palavras. Vivia ali há tanto tempo e jamais havia sequer cumprimentado o senhor Jonadab. Amizades que poderiam ter tornado a vida muito mais significativa, bela e verdadeira.
— O almoço está uma delícia, dona Luzia — disse Robertinho.
— Você ainda não sabe o que vem por aí — respondeu ela, sorrindo. — Fiz bolo de reis, curau e, como sei que o Jonadab gosta de pudim, fiz um só pra ele. Mas vocês devem comer um pouquinho de cada!
— Meu Deus, quanta coisa boa, dona Luzia! — falou o filho mais velho, ainda de boca cheia.
— Sr. Jonadab — interrompeu a mãe de Robertinho —, onde o senhor arrumou aquelas sementes tão diferentes?
Jonadab sorriu e respondeu:
— Então, meus vizinhos... A vida nos permite opções. Escolhemos todos os dias se iremos ser felizes ou tristes, se iremos sorrir ou chorar. Não é fácil, mas temos a oportunidade de construir nosso mundo sempre, todas as manhãs.
— Durante muito tempo, comecei a cultivar flores e percebi que elas passam por um processo muito parecido como o da vida. Temos que preparar a terra, tirar os matinhos, regar, proteger do sol, do frio, dos invasores. Assim é a família.
— As flores, para mim, são como a família. Já perceberam que sempre que florescem, vêm em cachos? Dificilmente estão sozinhas em uma planta. Quando eu guardava uma semente para o próximo cultivo, por não saber o nome de todas, fui colocando aqueles nomes que vocês viram. Sempre acreditei que um jardim atrai pessoas, alegra, tira suspiros e sorrisos apaixonantes. É assim que vejo a família.
— Parabéns, senhor Jonadab. Parabéns, dona Luzia. Vocês são um exemplo de família — disse a mãe de Robertinho.
Robertinho e Lorenzo se abraçaram enquanto a vó Luzia servia mais pudim.
— Estou curioso para ver as flores que vão nascer no nosso jardim, Robertinho. Me manda foto, pois semana que vem já volto pra minha casa — disse Lorenzo.
— Deixa comigo, Lorenzo — respondeu a mãe de Robertinho.
O pai de Robertinho também quis participar:
— Estou pensando em até pintar a casa, Lorenzo, pra combinar com as flores! — brincou.
— Eu ajudo! — disse um dos filhos.
— Eu também! — completou o outro.
A família havia sido envolvida nesse novo projeto. As sementes estavam plantadas. O semeador havia feito seu papel. Agora era hora de cuidar — para que todos pudessem viver um grande florescer.
 

 
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