quinta-feira, 14 de novembro de 2024

UM FILHO

Um filho

Emerson Fulgencio

Dona Alzira sabia que a vida é um fio, uma costura frágil. Seus dedos já enrugados de costureira seguiam firme no trabalho, mas a cabeça viajava para bem longe dali. Voltava para o passado, para a lembrança do pequeno Miguel, seu primeiro e único filho. Ele era a razão de tudo que ela fazia e, mais que isso, era a pergunta constante que a vida lhe propunha.

Certa tarde, em meio ao som rítmico da máquina de costura, ela se pegou a pensar nas três perguntas que um professor tinha lançado aos pais de seu bairro, durante uma palestra na escola do pequeno Miguel.

"O que é um filho?"

Pensou na resposta que já sentia no coração. Um filho não era só um pequeno ser, ou um reflexo de si mesma. O professor durante a palestra falou que em tupi a palavra "piá" significa "pedacinho do meu coração que anda". Um filho era um pedacinho não só do seu coração, mas de sua alma andando pelo mundo com um coração independente, um amor plantado fora do próprio corpo. Miguel era uma extensão do que ela era, mas também uma vontade própria, um destino que ela mal compreendia. "Um filho é a coragem que a gente aprende a ter quando o mundo assusta e o chão parece se abrir", pensou.

"Quanto custa um filho?"

Ah, essa pergunta! Dona Alzira riu sozinha enquanto ajeitava a bobina da máquina. Todos pensavam que o custo de um filho era a fralda, o leite, a escola. Mas, para ela, o verdadeiro preço era outro. Era o sono que se perdia, o medo que nunca se apagava, as noites em claro esperando por notícias, e o sorriso de alívio ao ouvir passos na porta. "O custo de um filho", sussurrou para si mesma, "é o pedacinho do coração que a gente entrega e nunca mais recupera. É dar o melhor de si e torcer para que seja o suficiente."

"Quanto tempo dura um filho?"

Essa última pergunta sempre ficava, pairando, como uma brisa silenciosa que mexe nos galhos e parece que vai dizer algo importante, mas não diz. O tempo de um filho, ela sabia, não se media em anos ou décadas. Miguel, mesmo crescido, seguia sendo seu menino, mesmo quando ele já havia saído de casa, seguido seu próprio caminho. Para ela, um filho durava para sempre, era uma semente de eternidade.

Dona Alzira terminou a costura e desligou a máquina, mas as perguntas ainda ecoavam. Ela suspirou, ajeitando a blusa puída sobre os ombros e lembrando-se dos olhos de Miguel, sempre com aquele brilho inquieto de quem quer saber do mundo. E, naquele instante, soube que, se a vida lhe pedisse, ela faria tudo de novo. Não se importando com a dificuldade, o medo, a incerteza, mas visualizando lá na frente, onde nem os olhos alcançam, que se não tivesse gerado, educado, conduzido o Miguel, a sua vida não teria, com certeza, sentido algum. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom !!! Valeu!!