quinta-feira, 14 de novembro de 2024

PA-PAI

PA-PAI

Emerson Fulgencio

Escreveu na parede uma palavra e saiu andando sem olhar para trás. Sua letra era trêmula, pontos fortes acarcados em algumas curvas da escrita. Sem diagnóstico preciso notava-se um certo temor. Ele foi, a palavra ficou. Um desabafo, um pedido de socorro? A palavra estava lá agora tão solitária... Parecia escrever algo que já estava gravado em seu coração. Deixara algo para trás. Os dias passaram.

Soou o sinal da escola. Hora de ir para casa. Mochilas nas costas as crianças tomam seu destino. Andam em grupos, algumas sozinhas, pais que vêm buscar, transportes. Movimento de porta de escola é bonito de se ver. Quanto abraço, quanto beijinho, quanto amor despreendido. É pai, é mãe, é avô, é avó, é tio, tio que não é tio, é tia, tia que não é tia, crianças correndo para o reencontro. Fome ao meio dia, cansaço às 18h.

O menino morava no bairro. Começara a estudar naquele ano.  Já estava naquela fase de soletrar tudo. Seus olhos eram ávidos, atendos a qualquer curvinha em que reconhecia uma palavra. Na placa da rua “pppapa-rrre”, na fachada dos comércios  “loo-jjja”. Estava lendo. Estava descobrindo o mundo da escrita e leitura. Nada escapava.

No caminho de casa - por morar pertinho da escola, tinha o privilégio de ir e vir a pé, ora correndo, ora voando - havia uma construção inacabada há anos. Suas paredes já rebocadas, mas sem pintura, estavam marcadas pelo tempo. O menino passava pertinho da edificação, a calçada era estreita, era a última esquina antes de chegar em casa.

Seus olhos foram atraídos por uma palavra, suas mãos passaram bem perto. Mais um desafio ao incipiente leitor. Mais uma palavra para decifrar. Aquela ele já havia lido algumas vezes no livro da escola, era mais fácil quando a memória fotografava a junção das letras. Em voz alta “pa-pai” era a palavra escrita na parede daquela  antiga obra.

Chegou em casa naquele dia com um nó na garganta. A mãe estava na cozinha como de costume. A tevê ligada, o som das panelas, aquele aroma inconfundível. O menino parou na porta. Mãe, por que não tenho pai? Ela sabia que ouviria isso um dia da boca da criança. Mas você tem pai, sim! Ela fala em uma resposta sem considerar que ele era apenas uma criança. Parecia resposta para adultos. Ela e ele não estavam prontos para aquele dia. Ela não imaginava que sentiria culpa por isso, ele não imaginava que um dia sentiria falta.

Panelas desligadas. Sentaram-se à mesa.

Esse dia chegaria. Chegou tão depressa pensou a mãe. Chegou tão tarde, suspirou o filho. Um pai. Perguntas começaram brotar nas duas cabeças de bocas caladas. Nem mesmo a mãe sabia o paradeiro do pai do garoto. Tão jovens, a gravidez os assustou de tal forma que até ela, se pudesse, teria fugido. Não em forma de abandono, sim em forma de incertezas. O que seria dali pra frente. Enfim, existia uma grande lacuna emocional nos dois. Ser pai e mãe em uma pessoa só na havia sido simples e agora o momento era de incerteza novamente.

Mãe!? Eu não tenho pai? Quem é meu pai? Onde ele está?  Por que ele nunca foi me buscar na escola?  Por que ele não vive aqui em casa? Por quê? Por quê? Por quê?...

O menino tomara coragem. Aquela palavra teria desencadeado centenas de dúvidas que ele talvez nem reconhecia ter. Um pai. Pa-pai. O que significava isso para quem não covivera um só dia com a figura paterna. Um pai é amigo, um pai é generosidade, um pai é proteção.  É exemplo de cumprimento de dever, de comida na mesa. Um pai é autoestima elevada. A ausência desnutri de carinho.

A mãe abaixa a cabeça, lagrimas que brotam nos olhos. O menino ainda que com pouca idade, percebe o sofrimento. O silêncio é quebrado por um tom de voz carinhoso: - Mãe, mamãe, me desculpe! Olhar terno: - Um dia eu vou crescer, você me ensina a ser pai pra quando eu ficar grande?

 

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