Dona Aurora era uma senhora alegre e cheia de histórias curiosas para contar. Todos na pequena vila sabiam que, quando ela começava a cantarolar aqueles versos peculiares, era sinal de que uma nova aventura estava prestes a acontecer.
Numa tarde ensolarada, enquanto ela arremendava sua camisa sob a sombra de um antigo pé de jabuticaba, um estranho som ecoou do outro lado do quintal. Era um xerengo, um bicho misterioso que só ela conhecia bem. Dona Aurora ergueu os olhos, fitando com curiosidade o pequeno monte de folhas secas onde o barulho vinha se escondendo.
"Xerenguentengo, Deus lovado chorou," murmurou ela, com um sorriso malicioso. "Arremenda minha camisa que eu arremendo seu xerengo!"
Enquanto as folhas se mexiam timidamente, revelando um pequeno ouriço-cacheiro curioso, dona Aurora riu alto, como se o xerengo entendesse cada palavra de sua cantoria. E assim, entre risos e canções, mais um capítulo das histórias encantadas da dona Aurora se desdobrava naquele quintal cheio de magia.
O ouriço a observava com olhos brilhantes, a cabecinha inclinada de lado como se tentasse decifrar os versos que ela cantava. Dona Aurora largou a camisa no colo e estendeu a mão devagar, sem pressa.
— Não se assuste, criatura. Aqui ninguém te faz mal, só te dá nome e poesia.
O bichinho hesitou, mas depois se aproximou aos poucos, farejando o ar quente da tarde. Dona Aurora riu de novo e disse:
— Vai ver você é mesmo um xerengo de verdade! E olha que eu já vi muita coisa nesse mundo, mas xerengo que aparece ao som de cantiga é novidade até pra mim.
Ela se levantou, os joelhos estalando como as dobradiças do portão velho, e caminhou até a cozinha. De lá trouxe uma tigelinha com pedaços de mamão maduro e os depositou ao pé do jabuticabeira.
— Come aí, xerengo. E fique à vontade. Mas ó… quem entra no meu quintal acaba virando parte da história, viu?
Naquela noite, dona Aurora ficou até mais tarde sentada na varanda, observando o quintal iluminado pela lua. O xerengo — ou seja lá o que fosse — estava enrolado em folhas secas, dormindo sossegado como quem achou o lugar certo no mundo.
Ela sorriu, ajeitou o xale nos ombros e cantarolou bem baixinho, antes de fechar os olhos:
— “Xerenguentengo Deus lovado chorou… Arremenda minha camisa que eu arremendo seu xerengo…”
E assim, naquela casa de canto encantado, onde música e bicho se entendiam sem pressa, a noite descansava em paz, embalada por uma senhora que sabia que, quando a gente canta com verdade, até o impossível aparece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário