terça-feira, 27 de maio de 2025

O que pediríamos?

Hoje, no momento em que pedalávamos nossas bicicletas pelas ruas de Foz do Iguaçu, conhecemos o Geovane. Um jovem rapaz, morador de rua, maltrapilho. Ele carregava uma sacola imensa e estava de pés descalços. Isso chamou a atenção da minha esposa.

Paramos as bicicletas e perguntamos se ele queria um par de chinelos. Ele, com uma voz mansa de criança, respondeu que sim. Combinamos com ele de nos esperar, pois iríamos até o mercado ali próximo para comprar o que precisava. Geovane nos acompanhou.

Antes de entrar no mercado, perguntamos o que mais ele gostaria, além dos chinelos. Sabíamos que a ausência de calçado nos pés dele incomodava mais a nós do que a ele. Fomos nós que sentimos a falta dos chinelos. Para ele, isso talvez nem fosse mais uma necessidade. Mesmo assim, insistimos: “O que mais você quer  além dos chinelor?”

Ele sorriu. Um sorriso de menino. E respondeu, com os olhos brilhando:
— “Eu quero um guaraná.”

Talvez a lembrança da infância tenha feito esse desejo brotar. Talvez fosse a única coisa capaz de trazer à tona uma memória boa, um prazer, uma felicidade — algo que ainda resistia na lembrança de um tempo em que ele habitava um mundo mais saudável. Um guaraná pode parecer muito pouco. Mas, para ele, era um passaporte de um minuto para o mundo em que eu e minha esposa ainda vivemos.

Naquele instante, me lembrei do trecho do evangelho de Marcos, quando Jesus pergunta ao paralítico:
“O que queres que eu te faça?”

Talvez o paralítico não soubesse o que pedir. Talvez já tivesse esquecido o que a vida poderia oferecer, porque vivera tempo demais em um mundo que o ensinou a não desejar, a não pedir, a não esperar.

Geovane já não sabe mais o que pedir. Já não sabe mais pedir. Vive daquilo que acreditam que ele precise. Sua memória parece ter se esvaziado das coisas que antes lhe davam alegria, prazer — talvez paz.

E eu me pergunto:
O que eu pediria se tivesse a oportunidade de estar frente a frente com Jesus?

Vivemos em um mundo cheio de piadas sobre os três desejos do gênio da lâmpada. Pessoas pedem riquezas, pedem vidas que não conhecem, mas que acreditam ser ideais, prazerosas.

Quantos Geovanes estão por aí, anestesiados.
Quantos Geovanes estão cegados, ensurdecidos.

Pensemos.
O que pediríamos?

sexta-feira, 23 de maio de 2025

"A Fé que Desce pelo Telhado"

 "A Fé que Desce pelo Telhado"

(Baseado em Marcos 2:1-12)

O sol brilha forte sobre Cafarnaum. Jesus está dentro de uma casa ensinando. A multidão se aglomera ao redor — homens, mulheres, crianças — todos ansiosos para ouvir suas palavras.

Narrador:
Era um daqueles dias em que ninguém queria perder uma palavra sequer de Jesus. A casa estava tão cheia, que não havia espaço nem à porta.

Jesus (falando à multidão):
— O Reino de Deus está entre vocês. Arrependam-se e creiam nas boas novas!

Quatro homens chegam carregando uma maca. Nela está um amigo — paralisado, sem conseguir se mover. Eles olham para a multidão. Não há como passar.

Homem 1 (olhando ao redor):
— Não tem como entrar por aqui… a casa está lotada.

Homem 2 (determinadamente):
— Não viemos até aqui pra desistir agora. Ele precisa ver Jesus!

Homem 3 (apontando o telhado):
— E se... a gente subisse por lá?

Eles trocam olhares. Um plano ousado. Mas a fé era maior que o medo.

Eles sobem com esforço. Cada um segura um lado da maca. Chegam ao telhado. Começam a remover as telhas com cuidado, abrindo um espaço bem acima de onde Jesus está.

Narrador:
A multidão se espanta ao ver o teto sendo aberto. A luz entra pela abertura. E, lentamente, o paralítico é descido com cordas, bem aos pés de Jesus.

Jesus observa. Vê a fé deles — não só a dos amigos, mas a fé de um coração que ansiava por cura e esperança.

Jesus (olhando para o paralítico):
— Filho, os teus pecados estão perdoados.

Os fariseus e mestres da lei murmuram entre si.

Fariseu (em pensamento):
— Como ele se atreve? Só Deus pode perdoar pecados!

Jesus percebe o que eles pensam.

Jesus (voltando-se para eles):
— O que é mais fácil dizer: "Os teus pecados estão perdoados", ou "Levanta-te, pega a tua maca e anda"?
— Mas, para que saibam que o Filho do Homem tem autoridade para perdoar pecados...

sexta-feira, 16 de maio de 2025

"Xerenguentengo Deus lovado chorou /Arremenda minha camisa que eu arremendo seu xerengo"

Dona Aurora era uma senhora alegre e cheia de histórias curiosas para contar. Todos na pequena vila sabiam que, quando ela começava a cantarolar aqueles versos peculiares, era sinal de que uma nova aventura estava prestes a acontecer.

Numa tarde ensolarada, enquanto ela arremendava sua camisa sob a sombra de um antigo pé de jabuticaba, um estranho som ecoou do outro lado do quintal. Era um xerengo, um bicho misterioso que só ela conhecia bem. Dona Aurora ergueu os olhos, fitando com curiosidade o pequeno monte de folhas secas onde o barulho vinha se escondendo.

"Xerenguentengo, Deus lovado chorou," murmurou ela, com um sorriso malicioso. "Arremenda minha camisa que eu arremendo seu xerengo!"

Enquanto as folhas se mexiam timidamente, revelando um pequeno ouriço-cacheiro curioso, dona Aurora riu alto, como se o xerengo entendesse cada palavra de sua cantoria. E assim, entre risos e canções, mais um capítulo das histórias encantadas da dona Aurora se desdobrava naquele quintal cheio de magia.

O ouriço a observava com olhos brilhantes, a cabecinha inclinada de lado como se tentasse decifrar os versos que ela cantava. Dona Aurora largou a camisa no colo e estendeu a mão devagar, sem pressa.

— Não se assuste, criatura. Aqui ninguém te faz mal, só te dá nome e poesia.

O bichinho hesitou, mas depois se aproximou aos poucos, farejando o ar quente da tarde. Dona Aurora riu de novo e disse:

— Vai ver você é mesmo um xerengo de verdade! E olha que eu já vi muita coisa nesse mundo, mas xerengo que aparece ao som de cantiga é novidade até pra mim.

Ela se levantou, os joelhos estalando como as dobradiças do portão velho, e caminhou até a cozinha. De lá trouxe uma tigelinha com pedaços de mamão maduro e os depositou ao pé do jabuticabeira.

— Come aí, xerengo. E fique à vontade. Mas ó… quem entra no meu quintal acaba virando parte da história, viu?

Naquela noite, dona Aurora ficou até mais tarde sentada na varanda, observando o quintal iluminado pela lua. O xerengo — ou seja lá o que fosse — estava enrolado em folhas secas, dormindo sossegado como quem achou o lugar certo no mundo.

Ela sorriu, ajeitou o xale nos ombros e cantarolou bem baixinho, antes de fechar os olhos:

— “Xerenguentengo Deus lovado chorou… Arremenda minha camisa que eu arremendo seu xerengo…”

E assim, naquela casa de canto encantado, onde música e bicho se entendiam sem pressa, a noite descansava em paz, embalada por uma senhora que sabia que, quando a gente canta com verdade, até o impossível aparece.

sexta-feira, 2 de maio de 2025