A cada ano, centenas de professores brasileiros atravessam o Atlântico só para ver de perto a experiência de 30 anos de uma pequena escola pública localizada no norte de Portugal, a 30 quilômetros da cidade do Porto. Na Escola da Ponte, idealizada pelo português José Pacheco, 54 anos, não há salas de aula, séries ou currículo. São os alunos que definem áreas de interesse e desenvolvem seu itinerário de aprendizado, por meio de pesquisas individuais ou em grupo.Também não há provas.Quando se sentem preparadas, as crianças buscam os professores e juntos fazem uma avaliação do trabalho.As regras de convivência são determinadas em assembléias, onde cada cabeça vale um voto. Parece tudo muito alternativo e fora do mundo real? Pois a verdade é que os alunos da Ponte foram os que apresentaram melhor desempenho nas provas nacionais de aferição, uma espécie de Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de Portugal.Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto, Pacheco é um homem tranqüilo, de fala mansa. Recentemente comprou um sítio em Joanópolis, na divisa de São Paulo com Minas Gerais. Em 2007 pretende se mudar para o Brasil, onde dará consultoria sobre educação. São mais de 30 instituições interessadas. “Vou escolher algumas para acompanhar de perto o trabalho”, diz. Por enquanto, só divulga uma: a escola municipal Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, que implantou um projeto inspirado na Ponte, em que os alunos têm voz ativa.
Que valores são incentivados pela Escola da Ponte?A Escola da Ponte é baseada em três grandes valores: liberdade, responsabilidade e solidariedade. E ela só é viável quando todos os participantes pais, alunos e professores reconhecem os objetivos comuns e se conhecem. Isso não significa apenas saber o nome, e sim ter intimidade, como em uma família. É nesse ponto que o projeto se distingue das escolas tradicionais. O viver em uma escola é um sentimento de cumplicidade, de amor fraterno.
O que é melhor: a escola que prepara os alunos para competir ou a que ensina os alunos a serem solidários?As crianças têm que estar preparadas para competir, isto é, para se enquadrar no contexto da sociedade que nós temos: imperfeita, competitiva e desumana. Não podemos criar cidadãos desajustados em relação às regras do mercado e de convivência social. Mas, na Escola da Ponte, nós também os preparamos para um mundo diferente. Temos que ensinar valores e dar uma formação que lhes permita serem eles próprios geradores de um outro tipo de sociedade, mais solidária. Preparamos os alunos para ambas as sociedades: uma é a realização do real, e a outra do ideal.
Como é o desempenho dos alunos da Ponte em relação às outras escolas?Há 30 anos verificamos alguns desajustes na transição.Mas há muito tempo nossos ex-alunos são os que conseguem obter os melhores desempenhos nas escolas para onde transitam. E são os que alcançam as melhores classificações nos vestibulares. Os pesquisadores pensaram que nossos alunos, porque não estavam acostumados a fazer provas, teriam resultado.
Sua escola garante o currículo exigido pelo Ministério da Educação?Na escola há um cartaz que mostra todos os conteúdos exigidos pelo Ministério da Educação. Os alunos integram esses conteúdos ao projeto que eles querem desenvolver. Lembro-me de uma vez que eles queriam entender como as árvores respiram quando estão sem folhas.Para isso tiveram que trabalhar conteúdos de biologia, matemática, português e inglês. Quando quiseram criar viveiros para os pássaros, foram obrigados a utilizar matemática. Precisavam saber qual é a área total do viveiro para saber quantos metros de rede eles teriam que comprar. É esse movimento do conhecimento aplicado na vida prática que cria interesse e torna a aprendizagem ativa. Eles aprendem onteúdos e não os esquecem porque aquilo faz sentido para eles. São atividades integradoras, em que o saber é transformado em competência. Eles completam os currículos de todas as disciplinas, mas muito mais rapidamente que os outros. Por isso foram os melhores nas provas nacionais.
Quais são as limitações do modelo de ensino tradicional?Um modelo do século 19 não serve na atualidade. Se bem que reconheça virtudes no ensino dito “tradicional”, está provado que ele contribui para gerar ou reproduzir insucesso e exclusão. A limitação maior é teimar em ensinar a todos como se fossem um só. Esse ensino está organizado para um aluno médio que não existe. Há uma piada sobre um professor e um médico que morreram no começo do século 19. Conseguiram ressuscitá-los no ano 2000. Colocaram então os dois em seus respectivos ambientes de trabalho. O médico, quando entrou numa sala de operação, olhou para toda aquela parafernália, assustou-se e morreu outra vez. Já o professor continuou dando a mesma aula que tinha acabado de dar 200 anos antes. Dá para perceber por aí, não dá?
E há virtudes no ensino tradicional?Sim, por exemplo, o exercício da memória. É preciso ter memória de curto, médio e longo prazo. É necessário repetir os exercícios para criar rotinas. Isso são características do ensino tradicional que nós acolhemos em nosso projeto porque achamos importantes. Quando dizem que a criança não precisa decorar a tabuada porque existe calculadora, estão errados. Porque se a máquina não funcionar a criança deve sabe fazer contas. E, mais do que isso, ela tem que entender a mecânica da multiplicação.
Ao dar tanto poder de decisão aos alunos, não há o risco de se criarem “pequenos tiranos”?Na Ponte, os jovens aprendem a cidadania no exercício da cidadania. Instituem direitos e deveres e fazem cumprir. Recorrem a dispositivos de participação, como as assembléias. A cultura da escola não permite que se produzam “tiranos”. Nós acolhemos alunos que outras escolas jogam fora, alunos expulsos, indisciplinados, com uma longa história de violência e abandono. Na Ponte, encontram um tempo e um espaço de solidariedade e exigência, que os ajudam a recuperar a auto-estima, a ser pessoas e a reconhecer os outros como pessoas.
Qual a sua opinião sobre as instituições que se inspiraram na Ponte?O modelo não pode nem deve ser exportado. Tem que ser adaptado para cada realidade.Mas acredito que escolas brasileiras como a Amorim Lima vão encontrar o caminho, sem necessidade de “clonar” modelos. Em educação, devemos estabelecer grandes metas e dar pequenos passos. As mudanças são muito lentas e contraditórias. A Escola da Ponte poderá ser referência porque provou que a utopia é realizável e poderá ser de muitos modos. As escolas possuem potencial humano para mudar as suas práticas, para dar sentido à vida dos professores, para fazer dos alunos pessoas mais sábias e mais felizes. Basta querer.
Que valores são incentivados pela Escola da Ponte?A Escola da Ponte é baseada em três grandes valores: liberdade, responsabilidade e solidariedade. E ela só é viável quando todos os participantes pais, alunos e professores reconhecem os objetivos comuns e se conhecem. Isso não significa apenas saber o nome, e sim ter intimidade, como em uma família. É nesse ponto que o projeto se distingue das escolas tradicionais. O viver em uma escola é um sentimento de cumplicidade, de amor fraterno.
O que é melhor: a escola que prepara os alunos para competir ou a que ensina os alunos a serem solidários?As crianças têm que estar preparadas para competir, isto é, para se enquadrar no contexto da sociedade que nós temos: imperfeita, competitiva e desumana. Não podemos criar cidadãos desajustados em relação às regras do mercado e de convivência social. Mas, na Escola da Ponte, nós também os preparamos para um mundo diferente. Temos que ensinar valores e dar uma formação que lhes permita serem eles próprios geradores de um outro tipo de sociedade, mais solidária. Preparamos os alunos para ambas as sociedades: uma é a realização do real, e a outra do ideal.
Como é o desempenho dos alunos da Ponte em relação às outras escolas?Há 30 anos verificamos alguns desajustes na transição.Mas há muito tempo nossos ex-alunos são os que conseguem obter os melhores desempenhos nas escolas para onde transitam. E são os que alcançam as melhores classificações nos vestibulares. Os pesquisadores pensaram que nossos alunos, porque não estavam acostumados a fazer provas, teriam resultado.
Sua escola garante o currículo exigido pelo Ministério da Educação?Na escola há um cartaz que mostra todos os conteúdos exigidos pelo Ministério da Educação. Os alunos integram esses conteúdos ao projeto que eles querem desenvolver. Lembro-me de uma vez que eles queriam entender como as árvores respiram quando estão sem folhas.Para isso tiveram que trabalhar conteúdos de biologia, matemática, português e inglês. Quando quiseram criar viveiros para os pássaros, foram obrigados a utilizar matemática. Precisavam saber qual é a área total do viveiro para saber quantos metros de rede eles teriam que comprar. É esse movimento do conhecimento aplicado na vida prática que cria interesse e torna a aprendizagem ativa. Eles aprendem onteúdos e não os esquecem porque aquilo faz sentido para eles. São atividades integradoras, em que o saber é transformado em competência. Eles completam os currículos de todas as disciplinas, mas muito mais rapidamente que os outros. Por isso foram os melhores nas provas nacionais.
Quais são as limitações do modelo de ensino tradicional?Um modelo do século 19 não serve na atualidade. Se bem que reconheça virtudes no ensino dito “tradicional”, está provado que ele contribui para gerar ou reproduzir insucesso e exclusão. A limitação maior é teimar em ensinar a todos como se fossem um só. Esse ensino está organizado para um aluno médio que não existe. Há uma piada sobre um professor e um médico que morreram no começo do século 19. Conseguiram ressuscitá-los no ano 2000. Colocaram então os dois em seus respectivos ambientes de trabalho. O médico, quando entrou numa sala de operação, olhou para toda aquela parafernália, assustou-se e morreu outra vez. Já o professor continuou dando a mesma aula que tinha acabado de dar 200 anos antes. Dá para perceber por aí, não dá?
E há virtudes no ensino tradicional?Sim, por exemplo, o exercício da memória. É preciso ter memória de curto, médio e longo prazo. É necessário repetir os exercícios para criar rotinas. Isso são características do ensino tradicional que nós acolhemos em nosso projeto porque achamos importantes. Quando dizem que a criança não precisa decorar a tabuada porque existe calculadora, estão errados. Porque se a máquina não funcionar a criança deve sabe fazer contas. E, mais do que isso, ela tem que entender a mecânica da multiplicação.
Ao dar tanto poder de decisão aos alunos, não há o risco de se criarem “pequenos tiranos”?Na Ponte, os jovens aprendem a cidadania no exercício da cidadania. Instituem direitos e deveres e fazem cumprir. Recorrem a dispositivos de participação, como as assembléias. A cultura da escola não permite que se produzam “tiranos”. Nós acolhemos alunos que outras escolas jogam fora, alunos expulsos, indisciplinados, com uma longa história de violência e abandono. Na Ponte, encontram um tempo e um espaço de solidariedade e exigência, que os ajudam a recuperar a auto-estima, a ser pessoas e a reconhecer os outros como pessoas.
Qual a sua opinião sobre as instituições que se inspiraram na Ponte?O modelo não pode nem deve ser exportado. Tem que ser adaptado para cada realidade.Mas acredito que escolas brasileiras como a Amorim Lima vão encontrar o caminho, sem necessidade de “clonar” modelos. Em educação, devemos estabelecer grandes metas e dar pequenos passos. As mudanças são muito lentas e contraditórias. A Escola da Ponte poderá ser referência porque provou que a utopia é realizável e poderá ser de muitos modos. As escolas possuem potencial humano para mudar as suas práticas, para dar sentido à vida dos professores, para fazer dos alunos pessoas mais sábias e mais felizes. Basta querer.
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